Em um dos melhores hospitais de São Paulo, um homem se tranca em um quarto. Precisa de privacidade total. Assiste a um filme erótico, folheia revistas com mulheres nuas e algum tempo depois, sai de lá. Missão cumprida.
Ele é um doador anônimo de sêmen. Ao redor do mundo, homens como ele ajudam a formar famílias que nunca vão conhecer, ou pelo menos não conheceriam. Até serem surpreendidos pelos avanços da internet.
Justin era filho único. Erin e Rebecca são gêmeas. Tyler e Mckenzie nasceram na mesma casa. Os cinco são filhos de três mães diferentes. Mas, este ano, descobriram que são todos irmãos.
"Encontrar irmãos que você nunca teve. Quais as chances de isso acontecer? São as mágicas da ciência moderna”, diz Tyler.
As mães usaram esperma de um mesmo doador, o doador 66. Um assistente cirúrgico, como mostra a ficha da clínica na cidade americana de Denver. Com as informações básicas do perfil do doador, eles bisbilhotaram na internet e descobriram ser todos filhos do papai 66.
Erin diz que nem faz questão de encontrá-lo. "Estou satisfeita, tenho dois irmãos e duas irmãs", diz ela.
Ryan é filho único, mas calcula ter uns 15 ou 20 irmãos por aí. Ele tem apenas 15 anos e já está na faculdade de Engenharia Espacial. É um gênio da matemática, mas não consegue responder questões fáceis para a maioria das pessoas.
"Partes do meu rosto, como a testa, os dentes e o nariz não vieram da minha mãe. Se eu pudesse ver esses traços em outra pessoa, teria respostas", questiona ele.
Para ajudar o filho a encontrar o pai, também um doador anônimo de esperma, Wendy criou um site na internet. Usando os números nas fichas médicas, a página virtual já promoveu mais de mil encontros entre irmãos ou entre filhos e seus pais biológicos.
"Nos próximos dez anos, vai crescer a onda de crianças que buscam respostas nos bancos de esperma", diz uma especialista.
Pode ser o fim do anonimato dos doadores, a maioria estudantes universitários que faturam cerca de US$ 600, mais de R$ 1.300, para ajudar casais ou mulheres que não podem engravidar. Só um banco calcula ter fornecido esperma suficiente para produzir 750 mil crianças. Diante do avanço dos testes de DNA e da internet, o dono do banco se rende.
“Já não posso mais garantir o anonimato", diz ele.
Há poucas semanas, um rapaz de 15 anos conseguiu, com a ajuda da internet, o que Ryan tanto deseja. Primeiro, forneceu seu DNA a um serviço virtual de buscas de familiares, uma espécie de banco de dados genéticos. Nove meses depois, foram localizados dois homens com material genético compatível com o dele.
Com os sobrenomes que eram raros e as informações que a mãe tinha do doador, o rapaz acessou um outro site de buscas e chegou ao endereço do pai biológico.
Você ganha um dinheiro a mais na época da faculdade e, 15 anos depois, um adolescente bate na sua porta e diz: “Olá, papai!”. A história do jovem americano assustou doadores de sêmen em todo o mundo e levantou uma discussão: afinal, uma criança gerada a partir de uma doação anônima de sêmen tem direito de conhecer o pai biológico? Na Inglaterra, há oito meses, este direito virou lei.
A partir de abril deste ano, filhos gerados com sêmen de um doador poderão, ao completar 18 anos, ter acesso a informações sobre o pai genético.
Em Londres, a coordenadora de um instituto público de orientação sobre doação de óvulos e sêmen garante: mesmo que seja identificado, o doador não tem responsabilidade legal, nem financeira sobre a criança gerada com seu sêmen.
Difícil agora é convencer os ingleses a arriscar uma paternidade indesejada. A nova lei afugentou os universitários. O perfil do doador passou a ser basicamente o pai de família solidário.
“Isso é o que me move de estar aqui, saber que eu estou ajudando alguém”, fala um doador.
No Brasil, as doações de sêmen são, além de anônimas, voluntárias.
“Na realidade, eu não estou doando uma criança, um filho meu. É simplesmente um esperma que depois vai ser gerado”, acredita José Antonio Sarahan, empreiteiro, doador de sêmen.
José Antonio doou sêmen há três anos e fala de frente para deixar claro: o anonimato não é para o gesto de doar, é para o que virá a partir dele.
“Eu não quero saber como foi, para quem foi, quando foi”, comenta ele.
Se depender da lei, que garante sigilo total, doadores brasileiros podem ficar tranqüilos.
“Nós não oferecemos informações como data de nascimento, local de nascimento, curso que foi feito, não há nenhuma possibilidade de encontrar o doador genético dessas crianças que estão nascendo”, avisa Vera Feher Brand, coordenadora de banco de sêmen.
“Eu continuo me sentindo seguro para ser um doador”, afirma um doador de sêmen.
Fantástico - 11/12/2005